Reminiscências

O construtor de cascatas, 
Francisco da Silva Reis - "Chico Cascateiro"

     Francisco da Silva Reis, português, chegou ao Brasil, de modo clandestino, após realizar, juntamente com outros artistas, incontáveis trabalhos em seu país de origem. Quando esteve de passagem pelo Sul de Minas Gerais, já havia executado obras de relevância em palacetes na cidade do Rio de Janeiro, entre coretos, sentinelas, pontes e grutas com belos estalactites e estalagmites. De estrutura mediana, magro, tez clara mas já queimada pelo sol da montanha, trajando muitas vezes, calça de algodão, paletó e chapéu de feltro com abas caídas, esse simples mas incansável operário conseguiu erigir, em ambiente adverso de sua origem e longe da família , uma obra extensa e singular. Construtores que o conheceram, recordam com admiração, sua maestria em formular aparências e seu hábito, às vezes incompreendido, de passar horas nas matas em busca de inspiração. Segundo Joaquim Antonio, idoso que o auxiliou na construção do Parque das Águas, em Caxambu-MG, ele era um "admirador da natureza". Já para Juca Arthur (cristinense), o artista "já era um homem de idade quando trabalhou em Cristina-MG" e lhe parecia, aos seus olhos de menino, que o "fazedor de cascatas" tinha um "rosto cadavérico"...

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     O distrito de Cristina, criado pela Lei nº 209, de 1841,com a denominação de Cumquibus, passou à categoria de cidade, em 15/07/1872. "Berço de filhos ilustres do Estado", o povoado de Cristina orgulhava-se, no ano de 1913, de possuir "muitas casas de negócio: dois açougues, três farmácias, dois hotéis, uma fábrica de mel de fumo, duas sapatarias, dois barbeiros, duas alfaiatarias, três caldeireiros e latoeiros, uma padaria", além dos estabelecimentos oficiais de ensino (Grupo Escolar e Colégio Sant'Ana), iluminação elétrica e três igrejas e um "jardim delicioso". [JORNAL DE CAXAMBU, 25/05/1913].
      Narrando a visita pastoral do bispo de Campanha-MG, o mesmo jornal descreve, em rápida aguada, seu jardim público:

     " Resta falar de recanto: a praça principal de Cristina-MG. Ao Centro, há um jardim delicioso, cheio de sombras e de flores, onde uma água muito cristalina desce num repuxo para formar uma pequena piscina. Nesse jardim, o Dr. Fausto Ferraz fez levantar-se a "herma" do seu ilustre irmão, o Dr. Silvestre Dias Ferraz Júnior, de tão saudosa memória, um dos homens mais de bem e de coração que o Sul de Minas tem produzido".
       
      Sabemos que a herma do Dr. Silvestre Ferraz foi construída em 15/11/1908, no mesmo ano em que chegou à cidade a estátua do "Leão", trabalhado em pedra. Os cristinenses necessitavam, pois, de um outro monumento para assentar o presente-símbolo de seu município. A ocasião surgiu quando da reforma do jardim público, realizada concomitante com as obras de Francisco da Silva Reis,  e que também nos dá ensejo à seguinte questão: uma vez que o artista sempre esteve atento à fauna da região onde trabalhou, evitou inserir qualquer elemento estranho à sua realidade, como poderia adequar seu estilo à encomenda de um pedestal para um "leão" ? Para a impropriedade da figura mitológica e circense, altiva e intrusa, trazida para ambiente adverso, o artista esboçou à frente, ao lado e na parte posterior da escultura do "Leão", os elementos mais característicos de seu trabalho:troncos abatidos, pedras hospedeiras de samambaias e extensas raízes. Assim, o Leão tomou seu lugar em plano mais baixo do pedestal,deixando livre à mostra, a parte superior do monumento. Sem abrir mão das mesmas medidas que empregava em suas cascatas artificiais, o estucador português pacificou a compleição animal com blocos de pedras e advertiu sua índole moldando atrás dele uma casa de arapuá.
      No decorrer dos anos e no afã de modernizar e limpar a textura original, o monumento foi pintado inúmeras vezes em cores variegadas e a bel-prazer do gosto duvidoso da administração local. Sua pintura chegou a combinar -se às faixas coloridas dos postes de cimento ficados em volta da praça.
      O repuxo, conhecido pelos moradores por "Peixinho" e que deve, quanto à conservação, o mesmo destino do pedestal, é formado de três blocos de pedras encimadas por troncos e galhos decepados. Entre as pedras, três pequenas cascatas jorram água para o lago. Quando da reforma da Praça da Bandeira, trouxeram de lá um "Manequim", em louça negra, para dividir com a escultura de uma ave pernalta, a segurança daquele lugar, transformando em pequena prateleira pública a obra do artista português. Vê-se ainda, entre três blocos de pedra, um objeto de vidro, como "bola de cristal". Para muitos moradores, essas inferências na obra do escultor foram vistas como legítimos enriquecimentos às formas naturais, despojadas de símbolos da história político-social da cidade. Em uma destas reformas realizadas pela administração pública, todos os bancos de argamassa foram retirados da praça e, em seus lugares, colocaram assentos de marmorite. As peças originais tiveram paradeiro incerto, sendo localizadas, posteriormente,
em residências particulares. Num esforço bem intencionado mas pouco feliz, nova intervenção foi realizada no jardim público, no ano de 2000, refazendo os bancos em torno dos monumentos, corrigindo o lago do "Peixinho". Bem distante dos traços do "Cascateiro", no entanto lograram melhor visual. Mas os principais monumentos continuaram sob "camadas" de tinta, procedimento jamais idealizado pelo paisagista português.
      Assim como em outras localidades da região, seu trabalho encantava pela leveza das formas, fidelidade à natureza, habilidade com a difícil argamassa, durabilidade, beleza e sedução de seus enganos. Também ali a classe mais abastada encomendou os arranjos de quedas d'água e grutas em seus jardins urbanos ou rurais. Num desses convites, o artista trabalho no "Solar do Cel. Albertino Dias Ferraz, então presidente da Câmara Municipal e membro do Diretório Político, criando em seus jardins exemplares de uma obra ímpar.


Extraído da Obra: "Jardins Esquecidos", de Eustáquio Gorgone de Oliveira.
     

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